Ministros do STF vão definir índice para correção de dívidas civis e indenizações
Por: Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta sexta-feira, no
Plenário Virtual, recurso que discute qual índice deve ser aplicado na
correção de dívidas civis e indenizações. A questão foi levada ao ministros
da 2ª Turma depois de a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
decidir, em um conturbado julgamento, pela adoção da taxa básica de juros,
a Selic - hoje em 15%.
A análise do mérito no STJ ocorreu em março de 2024. Mas a proclamação do
resultado só ocorreu em agosto, após o exame de três questões de ordem
apresentadas pelo relator do caso, o ministro Luis Felipe Salomão, que
poderiam anular a decisão tomada pela maioria. Em agosto deste ano, o próprio
Salomão, vice-presidente do STJ, admitiu recurso extraordinário contra o
acórdão da Corte Especial.
No STJ, a votação foi acirrada. Salomão foi voto vencido, entendendo que
deveriam ser aplicados os juros de 1% ao mês mais correção monetária,
conforme o índice adotado pela tabela do tribunal onde o caso for julgado
(INPC ou IPCA, por exemplo). Agora, o tema será julgado no Supremo por
meio de recurso da empresa de transporte rodoviário Expresso Itamarati.
A companhia foi condenada a pagar indenização por dano moral a uma
passageira. Segundo consta no processo, o motorista passou por uma lombada
em velocidade acima da permitida e a passageira foi arremessada para o alto.
Ela sofreu lesões que resultaram na invalidez para o trabalho que exercia, o de
prestação de serviços domésticos.
O acidente aconteceu em março de 2013. A ação foi ajuizada em novembro de
2014 e a sentença que condenou a empresa de transporte rodoviário a pagar
indenização é de outubro de 2016, com dano moral fixado em R$ 20 mil.
É importante modular a decisão e definir a partir de quando ela vale”
— Rodolfo Bustamante
Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a
condenação da primeira instância: R$ 20 mil acrescidos de juros de mora de 1%
ao mês a partir da data em que a empresa foi citada (novembro de 2014) e
correção monetária a contar da data da sentença (outubro de 2016). A Expresso
Itamarati recorreu, então, ao STJ pedindo a aplicação só da Selic.
Se aplicada taxa básica pelo método composto (capitalizado), esses R$ 20 mil
em dez anos teriam reajuste de 133%. Equivaleriam a R$ 46,7 mil. A Selic é a
taxa que a União usa para cobrar suas dívidas. Porém, pela soma dos
acumulados mensais (metodologia simples). Nesse caso, seriam R$ 37 mil, após
a correção. Pela aplicação de juros de mora de 1% ao mês de forma simples,
mais inflação, seriam devidos R$ 51,4 mil. As contas constam no voto lido pelo
ministro Luis Felipe Salomão.
O ponto central da discussão no STJ é o artigo 406 do Código Civil. Esse
dispositivo determina que os juros moratórios, quando não estabelecidos em
contrato, serão fixados pela taxa que estiver em vigor para o pagamento de
impostos devidos à Fazenda Nacional. A Corte Especial, quando julgou o tema
no ano de 2008, entendeu que se tratava da Selic.
O caso preocupa credores e empresas, segundo advogados, que estimam
redução no valor final das indenizações se prevalecer a Selic. Eles lembram que
muitos processos em curso foram calculados com base no critério de INPC
mais 12% ao ano.
O impacto financeiro é grande inclusive para empresas que colocam valores a
receber nos balanços com algum índice de inflação como correção, segundo a
advogada Luiza Oswald, sócia da gestora de investimentos JGP, que tem um
braço de compra de ativos judiciais (special situations). “Elas terão que mudar
o cálculo e podem até ter que reconhecer algum tipo de perda”, diz.
Para a advogada, a Selic será um estímulo para que os devedores não paguem.
“Se coloca [o dinheiro] em um título público, o devedor ganha mais”, afirma
ela, lembrando que o STF já julgou a validade de alterações de juros de mora
trabalhistas e também a correção de precatórios.
O julgamento influencia diretamente todas as formas de correção de ações
cíveis privadas, segundo Rodolfo Bustamante, sócio do Bhering Cabral
Advogados. O advogado destaca que é importante “modular” a decisão e
definir a partir de quando ela vale - se para contratos anteriores ou apenas
posteriores ao julgamento, por exemplo.
A aplicação da Selic, de acordo com Bustamante, é benéfica para devedores.
“Podem empurrar a dívida mais para frente e tentar pagar em um momento
melhor”, afirma o advogado.
Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que é parte interessada
na ação, diz que acompanha o caso e espera que seja mantida a jurisprudência
vigente desde 2008, que estabelece a taxa Selic para juros moratórios, “por ela
conferir previsibilidade e estabilidade da aplicação das normas jurídicas públicas
e privadas, prestigiando a segurança jurídica”.
A Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), que também é parte
interessada, afirma por nota que o artigo 406 do Código Civil determina a
utilização da taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos
devidos à Fazenda Nacional, quando os juros moratórios não forem
convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de
determinação da lei. No caso, segundo a entidade, a taxa em vigor é a Selic, por
força da Lei federal nº 9.065/1995, que institui a Selic para pagamentos de
impostos à Fazenda Pública.
“A variação da Selic, de acordo com a economia e a realidade, faz com que ela
melhor cumpra a função dos juros moratórios, que visa retribuir ao credor os
frutos que lhe foram privados pela indisponibilidade de quantia em seu
patrimônio”, diz a entidade. Ainda segundo a CNseg, a variação da Selic ao
longo do tempo evita um enriquecimento sem causa por qualquer das partes,
credora ou devedora.